A vida pós-diagnóstico de câncer de mama: um relato pessoal

Chega ao fim um importante mês, o mês de prevenção ao câncer de mama. Falar sobre conscientização não é fácil, principalmente quando se está do outro lado, apenas como observadora da realidade de quem conviveu/convive com a doença. Por essa razão,  o conteúdo rosa terá como desfecho a história de Francimay Alencar, conhecida carinhosamente por Meirinha, uma mulher que encontrou na fé, a força para lutar pela vida!   

Transcrevo para vocês um pouco de uma conversa de quase duas horas. Meirinha me recebeu em sua casa tão afetuosamente, tão animada, que não parecia que logo mais ela narraria uma história que envolve dor e angústias, da qual ela é protagonista. Ao final, eu compreendi que quando temos ALGUÉM para nos apoiarmos podemos facilmente passar da angústia à fé.  

“O Outubro Rosa para mim… não sei se é trauma, mas eu não gosto! Quando estava no hospital, em tratamento de câncer de mama, lembro-me de ver  aquele ambiente todo enfeitado de rosa;  eu sentia raiva, eu criei um trauma! Sei que fala de conscientização, mas o mês me dói e espero que você entenda. É algo particular, é algo meu!

Desde 1995 eu fazia acompanhamento com mastologista em virtude da existência de um nódulo que eu tinha no seio esquerdo. Era um nódulo profundo, mas benigno. E por indicação médica eu deveria fazer acompanhamento até então semestral; o que, com o passar dos anos, tornou-se anual. Eu era fiel ao acompanhamento, tanto que minha primeira mamografia foi antes da idade indicada, com 35 anos. 

Em maio de 2020, como de costume, fiz mamografia e ultrassom e tudo estava dentro da normalidade. Os nódulos estavam ali, sendo acompanhados, e o médico os caracterizava como benignos. Em novembro do mesmo ano, mesmo me sentindo bem fisicamente, acordei com minha mama avermelhada.   Não havia dor, mas era como se eu tivesse machucado ou como se eu tivesse dormido por cima do seio. Compartilhei o ocorrido com meu marido, e assim como eu, ele julgou que poderia ter sido apenas uma pressão feita durante a noite.

Passou uma semana e a mama  continuou com o mesmo aspecto. Lembrei-me  dos nódulos que sempre tive naquele mesmo seio agora avermelhado e  me preocupei, então resolvi ir ao médico que me acompanhava, mas não fui atendida de imediato. No atendimento público só havia vaga para janeiro e faltavam ainda dois meses para o mês chegar. O jeito era buscar atendimento particular, mas, mesmo pagando do meu bolso, não havia vaga para aquele ano. 

Então comecei a perceber o agir de Deus. Com a ajuda de uma grande  amiga da minha igreja, Rita de Cássia, consegui uma vaga com um mastologista particular para aquele mês ainda. Eu estava ansiosa e angustiada por aquela consulta. Quando o doutor viu o meu seio vermelho e me examinou, fez uma cara que me preocupou, mas não me encaminhou para a  ultrassom. Ele dizia  que poderia dar um falso negativo e me prescreveu antibióticos para que eu os tomasse e  retornasse com 10 dias. 

O antibiótico não fez efeito, ao contrário, me fez mal. Depois de 10 dias, eu mal conseguia usar sutiã, a vermelhidão havia aumentado e eu estava com inchaço. Hoje vejo que muitos dos sintomas de câncer de mama que se dizem por aí eu já os tinha: aspecto de casca de laranja, dor na mama, inchaço, dentre outros. Mas o médico insistia que o prognóstico não mudaria em uma semana. Além dos sintomas físicos, meu psicológico estava abalado, eu estava angustiada com aquela espera.

Não sei se posso dizer que houve negligência médica. Meu seio apresentava muitos sinais de câncer e o médico me fez voltar para casa inúmeras vezes. Não sei se essa é uma conduta comum, mas senti falta de  um atendimento humanizado, de um acolhimento que não esteve presente desde da recepção da clínica.  Isso me abriu os olhos mais uma vez para o cuidado de Deus. Eu comecei a sentir que apesar da ausência de acolhimento humano, eu teria comigo o acolhimento divino.

Recebi o diagnóstico, embora eu já desconfiasse, em dezembro de 2020. Hoje posso afirmar que a desconfiança foi mais dolorosa que a certeza que tive  através da biópsia.  A biópsia me deu alívio, por incrível que pareça…porque eu vi que não haveria nada que eu pudesse fazer, o laudo já estava dado e  Deus estava no controle da minha vida.  

Na angústia da incerteza eu sofri muito mais do que quando tive a certeza. A ansiedade que me dominava antes do diagnóstico foi substituída por uma paz que excede todo entendimento. Embora eu estivesse no grau 2 de câncer de mama, sabia que minha vida estava nas mãos de ALGUÉM bem maior que eu. 

Meu câncer foi caracterizado como triplo negativo, um tumor agressivo que avança com rapidez, por isso meu tratamento seria inicialmente de controle, depois quimioterapia, cirurgia e radioterapia.  Por ser um câncer invasivo, já passei por três cirurgias, pois ele se espalhou muito rápido de maneira que alcançou as duas axilas e o seio direito.   Hoje estou me encaminhando para o final do tratamento e afirmo que embora eu não saiba nada sobre o futuro, estou em paz! Não sou mais a mesma de antes

Certamente vejo que Deus transformou minha vida.  Muita coisa que estava errada, tenho conseguido pôr no lugar. Coisas que eu vejo que não seriam consertadas antes do meu diagnóstico, coisas que mudaram para melhor na minha vida. Em especial, a minha fé cresceu, de maneira que me possibilitou levar força para outras pessoas, algo que sempre tive vontade de fazer…

Desde que minha vida mudou, tenho orado para que Deus me dê o dom da fala. O desejo de dar palavras de apoio é um motivo de oração diária e estar falando sobre isso por este meio é para mim resposta de oração. 

 Eu não sei o que me aguarda daqui pra frente. Eu sei que até aqui me ajudou o senhor (1 Samuel 7:12b). Como eu não vou confiar num Deus que não me deixou faltar nem a necessidade mais simplória?  Apesar da negligência médica que fez com que eu chegasse ao estado que cheguei, eu não quis  brigar na justiça por isso, porque o fim nunca foi esse. O fim é o que eu posso fazer com isso que tenho hoje:  falar Daquele que me dá toda a força necessária para permanecer de pé. Muita gente me disse que tenho servido de testemunho e isso eu louvo a Deus.

O recado que deixo para alguém que esteja na mesma condição que eu  é não se revolte! Tenha fé! Persevere, vigie e ore. Deixo um versículo que é meu de cabeceira: “Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal!” Mateus 6:34.

Adaptado por Sarita Bezerra